A visão da ciência nutricional sobre o café: faz bem ou faz mal? - Artigos Projeto de Extensão @nossosalimentos_uenf


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A visão da ciência nutricional sobre o café:
faz bem ou faz mal?

Luiz Fernando Miranda da Silva, Karla Silva Ferreira


A palavra "café" vem do árabe “Kahoua” ou “Qahwa” (o excitante) e é designado como o fruto do cafeeiro, o qual origina a bebida consumida há mais de mil anos. Existem vários tipos de cafés e modos de preparo (Quadro 1) e, no Brasil, o mais popular é o pó de café que origina o café expresso e o café de coador ou caseiro, que representa 67% do tipo de café mais consumido no país.



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O café é a segunda bebida mais consumida no Brasil, perdendo só para a água. É consumido em 98% dos lares e sua ingestão per capita chega a 81 litros por ano. O Nordeste, o Sul e o Centro-Oeste são regiões onde mais cresce o consumo de café, e o Estado de Minas Gerais é o maior produtor.
Os efeitos do café sobre a saúde vão muito além do estímulo metabólico causado pela cafeína. Os principais compostos do café são as metilxantinas (cafeína, teobromina e teofilina), β-carbonilas (harmana e nor-harmana), ácidos clorogênicos (cafeoilquínicos, feruloilquínicos, dicafeoilquínicos, p-cumaroilquínico,cafeoilferuloilquínicos), y-quinolactonas, tocoferóis, 5-hidroxitriptamidas, diterpenos e melanoidinas.

As metilxantinas (Figura 1) são compostos com estruturas similares à adenosina, um nucleosídeo formado por uma adenina e uma ribose. No sistema nervoso central, a adenosina atua também como neurotransmissor que produz efeito inibitório da atividade cerebral (efeito calmante) quando ligado aos receptores AI e A2A dos neurônios. As metilxantinas, principalmente a cafeína, possuem a mesma capacidade de se ligar a estes receptores. É como se as metilxantinas roubassem o lugar da adenosina nestes receptores, bloqueando sua ligação e sua ação “calmante”. Consequência disto é o estímulo do metabolismo celular, que gera melhoria da memória, concentração e inibição do sono. Outro efeito das metilxantinas é pela inibição das enzimas fosfodiesterases. Quando as metilxantinas se ligam a estas enzimas, elas impedem a degradação do AMP cíclico, gerando, dessa forma, efeito estimulante do metabolismo. Dentre as metilxantinas, a cafeína é a que possui efeito mais potente.


 

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Diante destas propriedades da cafeína, vem a dúvida se seu efeito é maléfico ou benéficos à saúde e em quais condições. As pesquisas atuais possibilitaram aos cientistas concluírem que o consumo de 3 a 4 xícaras de café/dia é capaz de prevenir dores de cabeça, doença de Parkinson, Alzheimer, depressão e pequeno efeito na redução de gordura corporal por meio da termogênese (100 kcal, o que equivale ao consumo de um bombom). Gestantes, porém, devem restringir o consumo de café para não ultrapassar 150 mg de cafeína diariamente (até 2,5 xícaras de 60 mL de café expresso ou 4 xícaras de 60 mL de café caseiro feito com 20 g de pó para 250 mL de água).

Existem também no mercado os cafés descafeinados, que são a alternativa para as pessoas sensíveis ao efeito da cafeína. A Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) regulamenta que os cafés descafeinados não solúveis devem ter, no máximo, 0,1% de cafeína, e os solúveis, 0,3%.
Não há estudos que mostrem que o consumo de café cause hipertensão, doenças cardíacas e gastrointestinais. Mas as pessoas já diagnosticadas com alguma destas doenças e/ou sob excesso de estresse ou fumantes devem reduzir ou suspender o consumo de café. Em caso de doença de refluxo do conteúdo gástrico, mesmo o consumo de café descafeinado é prejudicial. Estudos indicam que as metilxantinas contribuem para o relaxamento do esfíncter esofagiano (favorecendo o refluxo) e um componente presente na cera do grão do café, a 5-hidroxitripamida, é capaz de irritar a mucosa gástrica e estimular a secreção ácida. Já existem na Europa produtos com menor quantidade dessa substância, denominados “cafés amigos do estômago”.

O café tem ainda efeito benéfico para os diabéticos, ajudando no controle da taxa de glicose sanguínea, pois é capaz de aumentar a sensibilidade dos receptores de insulina à mesma. Os mecanismos, entretanto, ainda não foram esclarecidos.
Não há comprovação de que o consumo de café por si só provoque o surgimento de câncer, embora haja indício de que possa aumentar o risco de câncer de próstata. Todavia, a ingestão de pelo menos 2 xicaras de café por dia está relacionada à prevenção de vários tipos de câncer (mama, ovário, pele, reto, cólon e fígado). Os mecanismos bioquímicos ainda não estão elucidados, mas acredita-se que seja em função da ação de antioxidantes presentes na bebida, especialmente os diterpenos (cafestol e khweol) e polifenóis.

O hábito do consumo de café após as refeições é uma tradição e não há comprovação de que isso cause anemia. Entretanto, alguns profissionais têm recomendado evitar o consumo de café, mesmo sem cafeína, imediatamente antes, durante ou logo após refeições que contenham alimentos fonte de ferro, como carnes, feijão, lentilha, amendoim e soja. Estes profissionais alegam que compostos fenólicos e melanoidinas presentes no café são capazes de complexarem com o ferro no intestino e impedir a sua absorção. Por este motivo, as pessoas com deficiência de ferro devem atentar para a possibilidade de o café inibir a absorção do ferro.

O processo de torração afeta a composição química do café. Parte dos antioxidantes são degradados (ex. ácidos clorogénicos, tocoferóis), porém, outras substâncias benéficas são formadas, como é o caso da harmana e nor-harmana (duas B-carbonilas), melanoidinas e 1,5-ƴ-quinolactonas (formada a partir da degradação dos ácidos clorogénicos). A ingestão de café com estes compostos reduz o risco do desenvolvimento da doença de Parkinson e Alzheimer. Entretanto, a torra excessiva leva à formação de compostos tóxicos (aminas heterocíclicas). A torra ideal é torra média, o que pode ser observado pela cor do pó, que não deve ser muito escuro (Figura 2).






 

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O café robusta (muito utilizado para fabricação do expresso) contém maior quantidade de cafeína e de ácido clorogênico que o café arábica (café solúvel e coado). Os tocoferóis (vitamina E) não são totalmente eliminados durante a torra e estão presente no óleo do grão (principalmente no café arábica). Durante a fabricação do café expresso há maior extração da parte lipídica do pó, portanto maior concentração de tocoferol quando comparada ao caseiro (filtragem simples).  Na Tabela 1 é apresentada a composição média dos cafés arábica e robusta.  

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A legislação brasileira estipula qualidades mínimas que o café deve apresentar para que possa ser comercializado. O teor de umidade do grão beneficiado cru deve ser, no máximo, 12,5% e o de matérias estranhas e impurezas, no máximo, 1%. Para o MAPA (Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento), matéria estranha significa detritos vegetais não oriundos do produto, como grãos ou sementes de outras espécies e corpos estranhos de qualquer natureza, tais como pedras ou torrões. As pedras são oriundas da varrição ou de fragmentos do piso do terreiro, fase em que o café é colocado ao sol para perder umidade. A impureza é designada como casca, pau e outros detritos provenientes do próprio produto. 

Características do grão, negra opaca, e defeito físico também podem invalidar a comercialização. Por fim, também não podem ser vendidos cafés que apresentem: aspecto generalizado de mofo, mau estado de conservação, odor estranho de qualquer natureza (impróprio ao produto), resíduos de produtos fitossanitários, micotoxinas e outros contaminantes ou substâncias nocivas à saúde acima do limite estabelecido por legislação específica vigente e nem presença de sementes tóxicas.

A Associação Brasileira da Indústria do Café (ABIC) lançou em 1989 o selo de controle de pureza do café. O objetivo é o monitoramento contínuo das marcas a fim de inibir a ação de empresas que adulteram seus produtos e desmitificar a ideia de que cafés de qualidade eram apenas os exportados. Atualmente já existem mais de 500 empresas detentoras de mais de 1000 marcas de cafés comercializados. A ABIC atesta que 5% das marcas são impuras. As empresas não são obrigadas a aderir ao programa e o não cumprimento do regulamento interno impede apenas que elas usem o selo na embalagem do produto, mas não a sua comercialização, que depende exclusivamente do controle do Mapa.

 

Referências Bibliográficas:

 

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