Alimentos “calorias negativas” - Artigos Projeto de Extensão @nossosalimentos_uenf
Alimentos “calorias negativas”
Sâmela Oliveira Barbosa, Carolina de Méllo Schelck, Taylane de Freitas Fragoso, Luis Fernando Miranda da Silva e Karla Silva Ferreira
A expressão “calorias negativas” é atribuída a determinados alimentos pelo fato de nosso organismo gastar mais energia no processo de mastigação e excreção de seus resíduos do que a energia que eles nos fornecem. Isso acontece porque esses alimentos possuem maior proporção de substâncias que não fornecem energia, como as fibras dietéticas, a água e as cinzas (minerais totais) em relação às que fornecem energia (Figura 1).
Para percorrer o intestino, há necessidade de contrações, conhecidas como os movimentos peristálticos. Ao atravessar o intestino, algumas substâncias são absorvidas, mas as fibras não. Estas seguem até o intestino grosso, onde podem servir como alimento para os microrganismos que ali habitam ou formar as fezes. Sendo assim, é justificável supor que um alimento que não forneça pelo menos esta quantidade de energia possa ser considerado “caloria negativa”, como a alface. Duas folhas de alface (15 gramas) fornecem, aproximadamente, 1,2 kcal. A Figura 2 ilustra o sistema digestório humano.
O gasto energético para a digestão dos alimentos não é bem conhecido, mas situa-se entre 150 a 250 Kcal, em torno de 1,5 kcal por minuto, variando de uma pessoa para outra e também de acordo com o tipo de alimento ingerido. O processo de digestão dos alimentos começa com a mastigação. Após a mastigação, os alimentos são engolidos e vão para o estômago, onde há necessidade de secreções gástricas e contração para formar um bolo alimentar. Daí seguem para o intestino, onde recebem secreções formadas no pâncreas, no fígado e no próprio intestino.
Observação: Chamo a atenção para o fato de usarmos o termo “caloria” inapropriadamente. Caloria é uma das unidades de medida de energia, assim como grama é uma unidade de medir massa e litro é uma unidade de medir volume. Portanto, um alimento possui um valor energético que pode ser expresso em caloria ou kcal, assim como pode conter certa quantidade de carboidrato ou proteínas que são normalmente expressos em gramas.
|Carboidratos|
Os carboidratos englobam um extenso grupo de substâncias. Com exceção do glicogênio e da lactose, os demais são produzidos pelos vegetais e podem ser agrupados em digeríveis e não digeríveis, conforme possam ser ou não hidrolisados pelas enzimas produzidas pelo pâncreas e células intestinais. (Figura 3).
Os carboidratos digeríveis, após absorção e captação pelas células do organismo, produzem energia quando metabolizados na via glicolítica, no citoplasma das células e no ciclo de Krebs, na matriz das mitocôndrias, quando há disponibilidade de oxigênio.
|Principais carboidratos digeríveis: |
1) Açúcares (monossacarídeos e dissacarídeos).
a. Glicose: carboidrato (monossacarídeo) de maior ocorrência nos alimentos por ser a unidade básica do amido, do glicogênio, da celulose e outros.
b. Frutose: carboidrato (monossacarídeo) importante para favorecer o transporte da glicose nos vegetais. Raramente é encontrado livre. A forma predominante de ocorrência nos alimentos é junto com a glicose formando a sacarose.
c. Lactose: encontrada apenas no leite e em alguns de seus derivados.
d. Sacarose: dissacarídeos formados por glicose e frutose. É encontrado principalmente nas frutas, embora a principal fonte dietética seja o açúcar e os doces.
e. Maltose: dissacarídeo formado por duas unidades de glicose. Raramente é encontrado em alimentos. É obtido industrialmente pela hidrólise do amido.
2) Polissacarídeos:
a. Amido: grânulo constituído por dois polímeros de glicose, a amilose e a amilopectina. É encontrado nas sementes, tubérculos e em algumas raízes e frutas, tais como a raiz da mandioca e a banana. Não possui gosto doce e o vegetal o armazena como reserva de energia.
b. Glicogênio: é um polímero de glicose com estrutura semelhante a da amilopectina do amido, porém mais compacto, com maior número de ramificações. É a forma como os animais armazenam carboidratos. Entretanto, raramente é encontrado nas carnes.
A capacidade dos animais para armazenar carboidrato é muito baixa. O glicogênio é formado e armazenado nos músculos e no fígado, a partir dos carboidratos e proteínas. O glicogênio é praticamente todo consumido durante atividade física intensa, nos períodos de jejum e durante o “rigor mortis”, quando o animal é abatido. Por este motivo, as carnes contêm apenas traços de carboidratos, quantidade desprezível do ponto de vista nutricional.
|Fibras dietéticas|
As principais fibras dietéticas são de origem vegetal e formadas por carboidratos, principalmente por glicose e galactose. O diferencial das fibras é que elas passam intactas pelo estômago e intestino delgado. Ao chegarem no intestino grosso, elas podem ser utilizadas pela flora intestinal, que, ao metabolizá-las, liberam ácidos graxos de cadeia curta que tem efeito benéfico no próprio intestino ou em outros locais do organismo. Alguns destes ácidos graxos podem, inclusive, entrar nas vias metabólicas de produção de energia e contribuir com formação de ATP (Adenosina trifosfato).
Algumas fibras são totalmente compostas por glicose, como a celulose. Outras não são carboidratos, por exemplo, a lignina. Outras são misturas de carboidratos, proteínas e outros compostos. É interessante lembrar que a análise de fibras, para fins de rotulagem de alimentos, é por meio do tratamento das amostras com alfa-amilases (simulando a digestão no intestino pelas alfa-amilases pancreáticas), seguida de lavagem com solução alcoólica fraca para eliminação dos açúcares provenientes desta hidrólise e também de gorduras.
Após essa lavagem, as amostras são subdivididas e analisadas quanto aos teores de proteínas e de cinzas. Portanto, as fibras são os resíduos que não seriam hidrolisados pelas alfa-amilases pancreáticas e que também não são proteínas, nem gorduras e nem cinzas. Nesta categoria estão incluídos a celulose, hemicelulose, pectina, lignina e também os amidos resistentes, por exemplo, o amido retrogradado formado durante o preparo dos alimentos.
Para a identificação dos tipos de fibras há necessidade de análises por métodos específicos.
Dependendo da capacidade das fibras em se ligar à água, elas são classificadas, na nutrição, como solúveis ou insolúveis.
|Fibras insolúveis|
As fibras insolúveis possuem muito baixa capacidade de ligação com a água. Elas têm função estrutural nos vegetais. Quando ingeridas pelos animais monogástricos, promovem o aumento do bolo fecal e estimulam o bom funcionamento do intestino. São elas:
1) Celulose: substância extremamente resistente e que confere rigidez e firmeza aos tecidos vegetais. Devido a esta característica, ela é encontrada, principalmente, em folhas, caules e raízes.
2) Hemicelulose: é encontrada, principalmente, na parede celular das células das folhas, posicionadas entre as microfibrilas de celulose, impedindo que estas microfibrilas se toquem, garantindo, assim, a elasticidade necessária às folhas.
3) Lignina: é formada por três alcoóis aromáticos — coumaril, coniferil e sinaptil. É encontrada na parede celular secundária das células das plantas, sendo responsável pela rigidez e impermeabilidade à água que a planta necessita ter.
|Fibras solúveis|
As fibras solúveis possuem maior capacidade de interação com a água e formam géis de viscosidade variável ou grumos quando em presença de água. Quando ingeridas, retardam a absorção da glicose e reduzem o esvaziamento gástrico, promovendo sensação de saciedade por um tempo mais longo. Também ajudam na diminuição do colesterol no sangue e previnem o câncer de intestino. Algumas destas fibras são prebióticos, pois servem como alimento para os microrganismos benéficos (probióticos) que habitam o intestino grosso dos animais monogástricos. Elas estão presentes, principalmente, em frutas, aveia, cevada e em algumas leguminosas, como feijão, grão de bico, lentilha e soja. As principais são:
1) Pectina: é um polímero de ácido galacturônico. O ácido galacturônico é um derivado da galactose.
2) Gomas: grupo de polissacarídeos complexos que são produzidos pelos vegetais quando sofrem lesões, por exemplo goma arábica, goma guar, carragenanas, alginatos etc. Têm a função de proteção contra a invasão por microrganismos. Há também gomas produzidas por microrganismos, por exemplo, as dextranas e xantanas.
3)Mucilagem: grupo de polissacarídeos complexos, frequentemente presentes nas paredes celulares das plantas aquáticas e nos tegumentos de algumas outras espécies.
4)Beta-glucanos: polissacarídeos de glicose que podem ser sintetizados por fungos, leveduras e alguns cereais.
5)Hemicelulose tipo A.
A pectina é, provavelmente, a principal fibra solúvel em termos de quantidade presente nos alimentos. É encontrada nos frutos, contribuindo para a sua estrutura macia e suculenta e, consequentemente, também para a textura dos doces de frutas. É também utilizada na fabricação de geleias. Há controvérsias sobre o fornecimento de energia pela pectina. Alguns pesquisadores consideram que elas forneçam 4 Kcal por grama. Outros, um pouco menos a zero.
|Muita água e presença de fibra x baixos teores de nutrientes energéticos = “caloria negativa” |
A água é um componente fundamental dos seres vivos e também o majoritário. Os animais possuem mais que 50% de água e algumas partes dos vegetais chegam a ter 90% ou mais, como é o caso das folhas, flores, caules e algumas frutas e raízes. Quanto maior o teor de água em um alimento, obviamente, menor será seu teor de matéria orgânica. O segundo componente importante nos alimentos “calorias negativas” são as fibras. Quanto maior o teor de fibras e de água em um vegetal, menor será sua possibilidade de ter gordura, carboidrato digerível e proteínas.
As folhas, as flores e os caules possuem quantidade de água muito elevada, normalmente 90% ou mais. Depois da água, o segundo componente em maior quantidade são as fibras. Como não são locais de reserva de carboidrato, nem de lipídios e nem de proteínas, os teores destes são sempre baixos. Na figura 4 é apresentada a composição centesimal de alface. Observe que possui 95% de água e de fibras, 2,3%. Os nutrientes que fornecem energia estão presentes em
As raízes e frutas, de modo geral, possuem valor energético mais elevado que as folhas, flores e caules. As raízes, porque costumam ser os locais de armazenamento de amido. E as frutas, pelos teores de açúcares. Entretanto, algumas raízes são extremamente fibrosas, algumas frutas não possuem nem amido e nem quantidade expressiva de açúcares, exemplos disso são: o gengibre, limão e morango. Em contrapartida, a cana de açúcar é uma exceção dentre os caules, pois é rica em açúcar (sacarose). Figuras 5 e 6.
É relativamente fácil perceber se o vegetal contém quantidade expressiva de amido ou de açúcares. A identificação da presença de açúcares nas frutas é feita pelo paladar: se têm gosto doce, têm açúcar. Se não tem gosto
A identificação da presença de amido nos alimentos pode ser feita de forma rápida pingando iodo (lugol, polvidine ou outra solução que contenha I2) ao alimento previamente aquecido. O aparecimento de cor roxa indica a presença de amido. É importante aquecer o alimento para facilitar a interação do iodo como o amido. Na Figura 7 são apresentadas fotos de alimentos submetidos ao teste de iodo.
Na Tabela 1 é mostrada a composição centesimal e valor energético de algumas frutas, folhas, caules, raízes, tubérculos e flores. Observe os elevados teores de água e que, com raras exceções, os teores de proteínas e gorduras são inferiores a 1%. Em consequência, o valor energético é diretamente proporcional aos teores de carboidratos digeríveis.
Com base neste conhecimento, pode-se concluir que os alimentos com maior possibilidade de serem alimentos “calorias negativas” são as folhas, os caules e as raízes, porque não armazenam amido nem açúcares. Em seguida, seriam as frutas menos doces, pois estas contêm menor quantidade de açúcar e também pouco ácidas, como, por exemplo, o morango. O limão é uma das frutas mais ácidas, porém possui em torno de 6% de ácido cítrico, e fornece entre 14 a 32 kcal por 100 gramas.
As bebidas sem adição de açúcar, por exemplo as “zero cal”, os chás e sucos adoçados com adoçantes artificiais ou sem açúcar também não fornecem energia. Estas bebidas são compostas por água, componentes que lhes dão gosto e odor e outras substâncias não energéticas. Entretanto, as bebidas são menos potentes que os alimentos ricos em fibras no tocante a estimular o organismo a gastar energia, pois não requerem o processo de mastigação e estimulam com menor intensidade os eventos digestivos.
A ingestão adequada de fibra é essencial para uma boa saúde. A quantidade que se deve ingerir diariamente varia conforme o sexo e a idade.
A recomendação para indivíduos adultos, entre 19 e 50 anos, é de:
✔ 25 gramas para mulheres
✔ 38 gramas para homens
Para pessoas acima de 50 anos, a quantidade é menor:
✔ Entre 21 e 30 gramas, sem distinção entre os tipos de fibra
A ingestão excessiva de fibras pode ser prejudicial. Algumas fibras solúveis podem causar gases e afetar negativamente a absorção de determinados nutrientes, principalmente minerais.
Os alimentos ricos em fibras são saudáveis, mas é impossível fazer uma dieta equilibrada e completamente nutritiva apenas desses tipos de alimentos.
Pode haver dúvida se a cocção ou a trituração (em liquidificador, por exemplo) pode tornar a fibra digerível, possibilitando sua digestão e fazendo com que elas forneçam energia. A resposta é não! O aquecimento e/ou a trituração facilitam a mastigação, mas não promovem a quebra das ligações químicas entre as moléculas que formam as fibras. Portanto, as fibras continuam sendo fibras mesmo cozidas ou trituradas.
Referências Bibliográficas:
BRASIL, PORTAL DA EDUCAÇÃO. Artigos Técnicos e Científicos: PARTES DA PLANTA. Publicado em 26 de setembro de 2008. Disponível em:<https://www.portaleducacao.com.br/biologia/artigos/6335/partes-da-planta>.
BRASIL. AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA (ANVISA). Resolução RDC Nº 360, de 23 de dezembro de 2003. Rotulagem nutricional de alimentos embalados. Diário Oficial da União, Brasília, 26 de dezembro de 2003.
DAMODARAN, S; PARKIN, K; FENEMA, O. Química de Alimentos de Fenema. 4a ed. Porto Alegre: Artmed, 2010, 900p.
FOOD INGREDIENTS BRASIL. Dossiê: Fibras Alimentares. Food Ingredients Brasil, nº3, 2008, pág 43 a 48. Acessado em: <http://www.revista-fi.com/materias /63.Pdf>.
KRANS, J.E.; PISANESCHI, J. Departamento de Botânica USP. ATLASVEG –Atlas Vegetal USP, Hemicelulose, Celulose e Lignina. Disponível em:< http://www.jupisa.net/atlasveg/>.
NEPA – UNICAMP - Tabela brasileira de composição de alimentos. 4ª ed. Campinas, 2011. 161p. Disponível em https://www.unicamp.br/nepa/taco/contar/taco_4_edicao_ampliada_e_revisada.
ORGANIZACÓN MUNDIAL DE LA SALUD/ORGANIZACÓN PANAMERICANA DE LA SALUD. Conocimientos actuales sobre nutrición. 7.ed. Washington, D.C.: ILSI Press, 1997. (Publicación Científica, 565).
PEREIRA, P.R. Alimentos que Emagrecem (calorias negativas). Disponível em: <http://clinicadue2.blogspot.com.br/2010/09/alimentos-que-emagrecem- calorias. html
SHILS, M. E. et al. Tratado de Nutrição Moderna na Saúde e na Doença. São Paulo: Manole, 10ª edição, 2009, 2023p.
In: WIKIPÉDIA: a enciclopédia livre. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Wikip%C3%A9dia
Comentários
Postar um comentário
Os comentários serão moderados.