Luiz Fernando Miranda e Karla Silva Ferreira


    De acordo com as diretrizes europeias, uma dieta contendo menos que 50 g de carboidrato ao dia, 1-1,5 g de proteína/Kg de peso corporal e 15-30 g de gordura pode ser considerada uma dieta cetogênica. Para a Sociedade Brasileira de diabetes, a dieta cetogênica deve conter entre 20-50g de carboidrato por dia ou menos que 10% de carboidrato em relação ao valor energético total. Com esta composição e quantidade mínima de carboidratos o organismo é forçado a produzir corpos cetônicos sem riscos para a vida. 


    A produção de corpos cetônicos é bem regulada pelo organismo. No déficit de carboidratos no corpo, o organismo utiliza a gordura para produzir corpos cetônicos para geração de energia em alguns tecidos que têm dificuldade de usar ácidos graxos como fonte energética (ex. cérebro e rim). No entanto, a quantidade excessiva de corpos cetônicos reduz o pH do sangue causando acidose, que pode levar ao coma e até a morte*. Quando há déficit de carboidratos, ou sua disponibilidade é baixa, o organismo utiliza as proteínas dos tecidos para produzir glicose, o que pode acarretar depleção da massa muscular. Como o organismo não armazena proteínas, a dieta com baixo teor de carboidrato deve ser muito bem planejada para que a massa muscular seja preservada e não haja hipoglicemia grave. Um conhecimento muito antigo e importante sobre o metabolismo de gordura é o seguinte: “a gordura queima no fogo dos carboidratos”. Sem carboidratos, seja ele proveniente da dieta ou formado no organismo a partir das proteínas, nós não conseguimos utilizar nem nossa própria gordura! 


    Incialmente a dieta cetogênica era utilizada para o tratamento de crianças e adolescentes com epilepsia mas ficou popular por outras razões:


  1. Há pessoas que não aderem ao tratamento dietoterápico balanceado, por exemplo com quantidade de carboidrato fornecendo de 50 a 60% do valor energético total. São pessoas que, por gostarem muito de doces ou massas, cedem às tentações e exageravam nas quantidades de alimentos prescritas.
  2. Muitas pessoas que têm ou acreditam ter intolerância ao glúten não celíaco preferem retirar da dieta tanto os alimentos à base de trigo quanto outras massas que elas acreditam possuir vestígios de glúten por contaminação industrial.
  3. Pessoas que são muito adeptas ao consumo de gorduras e proteínas, que rejeitam alimentos ricos em carboidrato por se sentirem inchadas e considerarem que estes alimentos são indigestos e pouco palatáveis.
  4. Pessoas que já tentaram de tudo para emagrecer e veem na dieta cetogênica algo novo e que possa motivá-las, propiciando melhor aderência ao tratamento. 
    Apesar de muitas pessoas acharem que a dieta cetogênica é isenta de carboidrato, isto é praticamente impossível. Pouquíssimos alimentos são isentos de carboidrato e uma dieta a base apenas destes alimentos, além de ser desastrosa para a saúde, é monótona. Abaixo relacionamos os principais alimentos utilizados nas dietas cetogências e seus teores de carboidrato.

    Conforme se observa na tabela 1, até as hortaliças folhosas possuem carboidratos, pois ele é essencial para todos os seres vivos. Na Figura 1 (abaixo) pode-se observar a foto de uma folha com seus vasos que conduzem os nutrientes na planta. Esses nutrientes são proteínas, vitaminas, minerais, água, açúcares (sacarose) e outros compostos importantes para a vida do vegetal, denominados conjuntamente de seiva. A seiva é para o vegetal como é o sangue para os animais. Os açúcares e amido são também utilizados pelo vegetal como fonte de energia. Entretanto, para o consumo humano, a quantidade de carboidrato nas folhas é insignificante do ponto de vista nutricional.


    Outro grupo de alimentos que podem ter baixos teores de carboidratos são os laticínios. O carboidrato naturalmente presente nos laticínios é a lactose. Dependendo do processamento que recebem, os laticínios podem conter a lactose ou seus derivados ou apenas traços de carboidratos em sua composição. Entretanto, não conter lactose não significa que o laticínio não contenha carboidratos. A lactose é formada pela união de uma molécula de glicose com uma de galactose – dois tipos de açúcares. Contudo, em razão de muitas pessoas serem intolerantes à lactose, ou seja, não digerirem a lactose transformando-a em glicose e galactose, alguns produtos lácteos são acrescidos da enzima lactase, que executa esta função ainda no alimento, quebrando a lactose em glicose e galactose. Portanto, um alimento preparado para não conter lactose poderá ter os açúcares que a formam, a glicose e a galactose, como é o caso dos leites sem lactose e os alimentos feitos com estes tipos de leites.

    Os demais alimentos, como castanhas, nozes, chia e linhaça também são considerados pela mídia como alimentos com baixo teor de carboidrato. Porém, o teor de carboidrato nestes alimentos pode chegar em torno de 30%, sendo assim ricos em carboidratos.

    Os únicos alimentos que não possuem carboidratos são: óleos e gorduras, sal, carnes (exceto embutidos) e gelatina pura. Os alimentos que contém traços de carboidratos são: chá, café, manteiga, hortaliças folhosas e algumas não folhosas (como tomate, abobrinha, vagem, jiló, berinjela, maxixe, pepino, quiabo) e fungos (como shiitake, shimeji, champignon) e algumas frutas (abacate, limão e maracujá).

    Uma dieta cetogênica pode e deve conter pequenas quantidades carboidratos. Isto permite que a dieta não fique tão restritiva, que seja nutritiva e de mais fácil aderência. Importante ainda ressaltar que grande parte dos nossos nutrientes são substâncias sintetizadas pelos vegetais. Portanto, uma dieta sem estes alimentos seria incompleta e incompatível com a vida. 

*os diabéticos não tratados podem ter acidose devido a níveis perigosamente elevados de corpos cetônicos no sangue.

Referências bibliográficas 

  1. Muscogiuri G, El Ghoch M, Colao A, et al. European Guidelines for Obesity Management in Adults with a Very Low-Calorie Ketogenic Diet: A Systematic Review and Meta-Analysis. Obes Facts. 2021;14(2):222- 245. doi:10.1159/000515381
  2. BRASIL. Diretrizes da Sociedade Brasileira de Diabetes 2019-2020. Brasília: Sociedade Brasileira de Diabetes, 2019. 491 p. ISBN: 978-85- 93746-02-4 
  3. Freepik. Folha natural verde através de uma lupa. Disponível em < Folha natural verde através de uma lupa conceito de pesquisa de plantas plantas naturais folha de veia closeup | Foto Premium (freepik.com)>. Data de acesso 15 de junho de 2023. 
  4. Nelson, Da L.; Cox, Michael M. Princípios de bioquímica de Lehninger. Porto Alegre: Artmed, 2019, 1278 p.
  5. Tabela brasileira de composição de alimentos / NEPA –. UNICAMP.- 4. ed.- Campinas: NEPA-. UNICAMP, 2011. 161 p. 

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