Gelatina e colágeno - Artigos Projeto de Extensão @nossosalimentos_uenf


img-logo-projeto-nossos-alimentos-uenf

Gelatina e colágeno

Luiz Fernando Miranda e Karla Silva Ferreira


A gelatina é uma proteína obtida por meio da desnaturação e hidrólise do colágeno. A ingestão de gelatina e colágeno tem sido recomendada para fins estéticos, como crescimento e fortalecimento de cabelos e unhas, na prevenção do envelhecimento precoce, ganho de massa muscular, emagrecimento e melhora no desempenho físico. Contudo, não há comprovação científica para estas alegações.





Os colágenos, de qualquer tipo, ao contrário de outras proteínas de origem animal, são proteínas de difícil digestão e pobres em aminoácidos essenciais. Portanto, não se recomenda o consumo destes alimentos como principais fontes de proteína, principalmente aos indivíduos com deficiência nutricional, pois o quadro clínico de saúde pode se agravar.


Para que a síntese de colágeno na pele e em outros tecidos não seja prejudicada, recomenda-se ingestão de proteínas de alto valor biológico, como as do queijo, leite, carnes, combinação “arroz e feijão”, soja, ervilha, ovos, quinoa dentre outras; e também alimentos ricos em vitamina C, como as frutas,

 

 

 

hortaliças cruas e respectivos sucos. A vitamina C é essencial para a síntese adequada do colágeno. A ingestão de 1 copo de suco de laranja (200 ml) ou de caju, por exemplo, já ultrapassa a recomendação diária de vitamina C (45 mg).


Em razão de muitos vegetais serem fontes de vitamina C e pela quantidade diária recomendada ser baixa, torna-se fácil ingerir a quantidade necessária da vitamina C para prevenir a doença causada por sua deficiência, o escorbuto. Esta patologia é relacionada com má formação do colágeno no organismo, o que compromete a estrutura dos tecidos do corpo, que se manifesta com o aparecimento de feridas na pele, fragilidade de mucosas e vasos sanguíneos, inflamação e sangramento das gengivas (figura 1) e aparecimento de manchas roxas na pele devido ao rompimento de vasos sanguíneos. 

 

À medida que a doença avança, podem ocorrer dificuldades de cicatrização das feridas, alterações na personalidade da pessoa e, por fim, morte causada por infeção ou hemorragia.  O escorbuto foi o terror dos marinheiros no período das grandes navegações, até o ano de 1975. Nesta ocasião, a dieta dos marinheiros tinha colágeno mas faltavam fontes dietéticas de vitamina C.

 

img-blog-projeto-nossos-alimentos-uenf


Depois destas informações, você deve estar se perguntando: se a gelatina e o colágeno não são boas fontes de proteínas e basta uma alimentação equilibrada para normalizar a síntese de colágeno no corpo, por que tantos suplementos à base de colágeno são lançados todos os anos com promessa de melhorar a aparência da pele? E por que são adicionados de vitamina C?




Em uma pesquisa realizada em 2010, no Laboratório de Tecnologia de Alimentos/UENF, pelos autores desta matéria, foram avaliados os 10 produtos à base de colágeno e gelatina mais vendidos no Brasil. Foi observado que as quantidades de proteínas existentes nas porções recomendadas pelos fabricantes eram sempre inferiores às presentes em 1 ovo de galinha ou em 1 copo de leite (200ml) ou ainda em 14g de carne bovina (filé mignon).


A maioria dos fabricantes destes suplementos alega que, nos produtos, há elevado teor de duas substâncias: os aminoácidos hidroxiprolina e hidroxilamina, os quais são importantes constituintes do colágeno. Entretanto, o nosso corpo só aproveita estas substâncias quando elas são produzidas pelo próprio organismo. Não adianta fornecê-las pela alimentação. Portanto, a ingestão de colágeno ou gelatina, seja na forma de suplemento ou não, não aumenta a produção de colágeno do corpo!


A explicação técnica é que, durante as etapas iniciais da síntese de colágeno, as enzimas aminoacil-t-RNA-sintetases catalisam a reação de ligação de cada aminoácido ao seu RNA-transportador específico, formando, após algumas etapas, cadeias de proteínas primárias de colágeno. No entanto, aminoácidos hidroxilados não são reconhecidos por estas enzimas e o processo de hidroxilação da prolina e lisina, feito pelas enzimas prolil e lisil-hidrolixases, é específico, não ocorrendo em todas as prolinas e lisinas. Além disso, algumas hidroxilisinas devem ser previamente marcadas (glicosiladas) para a formação das cadeias pró-α, que constituem a molécula de pró-colágeno, a qual será endereçada ao espaço extracelular para a fase final de síntese do colágeno.



A adição da vitamina C nestes suplementos explica-se pelo fato de que o ferro contido no centro ativo de cada uma das enzimas prolil e lisil-hidrolixases, após fazer uma série de hidroxilações, se oxida e as enzimas perdem a atividade. Para que estas enzimas se tornem ativas novamente, é necessária a presença da vitamina C para reduzir o átomo de ferro. Esta também é a explicação mais aprofundada para justificar a importância da vitamina C na prevenção do escorbuto. Sem hidroxilações, o colágeno se torna frágil ou é degradado antes de ser formado. Por este motivo, não bastava aos marinheiros ingerir alimentos ricos em colágenos, como os peixes e outras carnes.


 

Verificou-se também que 50% dos produtos não possuíam registro obrigatório na Agência Nacional de Vigilância Sanitária, e ainda continham no mínimo 9 g de gelatina ou colágeno. Segundo os cientistas, se consumidos regularmente, estes alimentos poderiam contribuir para o surgimento de cálculos renais (litíase renal) em função do aumento da síntese de glicolato e oxalato pelo excesso de hidroxiprolina não aproveitada pelo organismo.


img-blog-projeto-nossos-alimentos-uenf



Vale ressaltar que as gelatinas de caixinha (figura 2), embora sejam proteínas de má qualidade, não são maléficas à saúde, salvo quando há alergia a algum de seus corantes. A quantidade de gelatina contida nestes produtos é pequena, uma vez que o produto é diluído durante o preparo. Consequentemente a concentração desta proteína de má qualidade é bastante reduzida. A vantagem da gelatina é que é uma sobremesa pouco energética, de fácil mastigação e com elevado teor de água, ideal para crianças, alguns indivíduos hospitalizados e idosos. Entretanto, por não ser nutritiva, não se recomenda consumo frequente.

 

 


Referências Bibliográficas:


COX, M. M;  NELSON, D. L. Princípios de Bioquímica de Lehninger, 5ª edição, Artmed, 2011, 1274p.

ESCORBUTO. in: wikipédia: a enciclopédia livre. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Escorbuto#Hist%C3%B3ria.

FENNEMA, O. R;  PARKIN, K. L;  DAMODARAN, S. Química de alimentos de Fennema, 4ª edição, ARTMED, 2010, 900p. 

NEPA – UNICAMP. Tabela brasileira de composição de alimentos. 4. ed. Campinas: NEPA- UNICAMP, 2011. 161 p. Disponível em: <https://www.unicamp.br/nepa/taco

/contar/taco_4_edicao_ampliada_e_revisada>.

SHILS, M. E. ; et al. .Tratado de Nutrição Moderna na Saúde e na Doença, São Paulo: Manole, 10ª edição, 2009, 2023p.




Comentários

Postagens