Ácidos graxos essenciais: os lipídios que não podem faltar na alimentação Parte 2 – funções, fontes alimentares e recomendações de ingestão - Artigos Projeto de Extensão
ÁCIDOS GRAXOS ESSENCIAIS: OS LIPÍDIOS QUE NÃO PODEM FALTAR NA ALIMENTAÇÃO. PARTE 2: FUNÇÕES, FONTES ALIMENTARES E RECOMENDAÇÕES DE INGESTÃO
A maior parte dos lipídeos podem ser sintetizados no organismo, como é o caso de todos os ácidos graxos saturados e da maior parte dos insaturados. Os ácidos graxos que não podem faltar na alimentação são da família ômega-3 e ômega-6. São eles:
1) Ácido linoleico – família ômega-6.
2) Ácido alfa-linolênico – família ômega-3.
|Família
ômega-6: ácido linoleico e araquidônico|
O ácido linoleico possui 18 átomos de carbono, duas ligações duplas e é da família ômega-6 (Figura 1). É um ácido graxo amplamente distribuído na natureza. A deficiência de ácido linoleico ocorre somente em pacientes com má absorção de gordura ou com dietas muito restritas ou nutricionalmente pobres.
A partir do
ácido linoleico, os animais podem sintetizar o ácido araquidônico, que tem 20
átomos de carbono e 4 ligações duplas.
Estes
ácidos graxos dão origem a substâncias que promovem inflamação e vasoconstrição
das artérias. Estas funções são
importantes para:
1)
Defesa do organismo contra microrganismos e vírus.
2)
Regeneração de lesões.
3) Circulação do sangue.
4) Agregação das plaquetas para regenerar danos nas veias e artérias.
|Família ômega-3: ácido α-linolênico, ácido eicosapentaenóico (EPA) e
ácido docosahexaenóico (DHA) (figura 2) |
O ácido α-linolênico possui 18 átomos de carbono e três ligações duplas. É um ácido graxo da família ômega-3 (Figura 2). Este ácido graxo é mais escasso na natureza do que o ácido linoleico. Poucos seres vivos (alimentos) contêm o ácido α-linolênico em quantidade razoável OBS: NÃO confunda o γ-linolênico com o α-linolênico. O γ-linolênico é isômero do alfa-linolênico. Ele também é formado por 18 átomos de carbono e possui três ligações duplas. Entretanto, é da família ômega-6, pois sua primeira ligação dupla está no sexto carbono, contando a partir da extremidade final da cadeia carbônica. Em algumas literaturas, e até mesmo em alguns suplementos nutricionais, ele é confundido com o α-linolênico. Fique atendo a isso!
A partir do ácido α-linolênico, os animais sintetizam os ácidos eicosapentaenoico (EPA) e docosahexaenóico (DHA). A transformação do α-linolênico em EPA e DHA ocorre no fígado. No entanto, a taxa de conversão é de somente até 15%, muito baixa.
Devido aos baixos teores do α-linolênico nos alimentos e limitação da síntese pelo organismo é importante que as dietas tenham fontes de EPA e DHA.
|Importância dos derivados dos ômega-3
para a vida|
Os ácidos
graxos da família ômega-3 dão origem a substâncias que interferem na agregação
das plaquetas do sangue. Esta atividade acarreta duas situações ou
funções:
1) Anticoagulante.
2) Menor formação de trombos.
Com estas ações, eles reduzem a ocorrência de inflamações exageradas e de trombose, contrabalanceando as ações dos derivados dos ômega-6.
|Importância do equilíbrio entre a
ingestão de ácidos graxos das famílias ômega-3 e ômega-6|
A reação
inflamatória mediada pelos ácidos graxos ômega-6 é essencial para a proteção e
regeneração dos tecidos machucados ou infeccionados. Por outro lado, também é
essencial a ação anti-inflamatória estimulada pelos derivados dos ácidos graxos
da família ômega-3. O equilíbrio entre a quantidade de ômega-3 e ômega-6 no
corpo mantém a inflamação presente, mas controlada, bem como o sangue com
fluidez adequada e com menor risco de sangramento pela dificuldade de
coagulação.
Os
problemas decorrentes da deficiência de ácidos graxos da família ômega-3 estão
relacionados com a ocorrência de inflamações crônicas e somente aparecem após
longo período de deficiência alimentar. Estes processos inflamatórios, a longo
prazo, vão comprometendo o funcionamento do organismo gradativamente e, no
decorrer do tempo, acarretam resistência à insulina, perda da função cerebral,
problemas cardiovasculares, entre outros.
Benefícios dos ácidos graxos da família ômega-3 em algumas doenças e/ou situações e ingestão recomendada:
1) üDoenças cardiovasculares: prevenção com ingestão de 250 mg a 2 gramas por dia (OMS, 2008).
2) üPsoríase: 2 a 5 gramas EPA e DHA apresentou remissão da inflamação.
3) üCérebro: entre 1 e 2 gramas/dia de EPA e DHA tem apresentado benefícios, reduzindo a inflamação neste órgão e a ocorrência de depressão.
4) üDoenças intestinais (Doença de Crohn e Colite ulcerosa): redução da inflamação com ingestão adequada destes ácidos graxos.
5) üCâncer colorretal e de mama (500 mg/dia): OMS e muitos pesquisadores ainda não estão plenamente convencidos desta função do EPA e do DHA.
|Recomendações de ingestão do ÁCIDO LINOLEICO E ALFA-LINOLÊNICO |
Ministério Da Saúde do Brasil
Proporção de 7:1 entre o ácido linoleico (ômega-6) e ácido α-linolênico (ômega-3) da seguinte maneira:
ü 15 gramas de ácido linoleico.
ü 2 gramas de ácido α-linolênico;
Institute of Medicine of the National Academies (IOM)
Ácido α-linolênico (ALA)
ü 1,6 gramas para homens (a partir de 14 anos de idade);
ü 1,1 gramas para mulheres (a partir de 14 anos de
idade);
ü 1,4 gramas para gestantes;
ü 1,3 gramas para lactantes.
|Recomendações de ingestão do EPA e DHA|
Normalmente não são feitas distinções entre a recomendação de EPA e DHA pelo fato de que ambos são convertidos nas substâncias bioativas com similar eficiência.
Alguns países recomendam maiores quantidades de EPA e DHA e outros menores em razão de características da população, como prevalência de determinadas doenças na região, estatura média etc.
A OMS
ressalta que a ingestão muito elevada de ácidos graxos insaturados,
especialmente da família ômega-3, pode levar à formação de radicais livres pela
oxidação desses ácidos graxos nas células e, portanto, aumento de substâncias
inflamatórias.
Recomendações de ingestão de EPA e DHA de alguns Países e Instituições:
1) Ministério da Saúde do Brasil: 500 mg/dia para adultos de ambos os sexos.
2) Institute of Medicine of the
National Academies (IOM): 160 mg/dia para homens e 110 mg/dia para mulheres, na faixa etária
entre 19-50 anos.
3) American Heart Association: 500 mg/dia para adultos de ambos os sexos. 2 a 4 gramas por dia para pessoas com hipertrigliceridemia, mas com supervisão médica.
4) Organização Mundial de Saúde (OMS): 250 mg a 2 gramas por dia (EPA + DHA) para homens e mulheres.
5) Austrália e EUA: 3 gramas
por dia (EPA+DHA). Embora superior à dose recomendada pela OMS, ainda é
considerada segura.
6) Reino Unido: 450 gramas de peixe rico em gordura (salmão, sardinha etc.) uma vez por semana, com exceção das gestantes e lactantes, considerando que é elevada a contaminação destes peixes com mercúrio.
|Consumo de EPA e
DHA no mundo|
Considerando que a menor recomendação da OMS é de
250 mg/dia de EPA + DHA, para adultos de ambos os sexos, a ingestão média
destes ácidos graxos pela população do mundo tem sido menos que a metade da
quantidade ideal.
|A ingestão ideal de ácido linoleico e
alfa-linolênico deve ter relação com o valor energético da dieta|
Entre 6% e 11% da energia total da dieta deve ser proveniente dos ácidos graxos poli-insaturados, podendo ser tanto de origem animal quanto vegetal, sendo:
b) 0,5% a 2% da energia total da dieta proveniente dos ácidos graxos da família ômega-3 (ácido alfa-linolênico, EPA e DHA);
c) Até 14% da energia total da dieta deve vir de ácidos graxos monoinsaturados (MUFA) provenientes de alimentos de origem vegetal;
d) Até 10% da energia total da dieta deve ser proveniente de ácidos graxos saturados, podendo ser tanto de fontes vegetais quanto de animais.
|Quantidade e
distribuição adequada de lipídios na alimentação|
A quantidade de lipídios na alimentação deve ser tal que forneça entre 15% a 35% da energia total da dieta. Lembramos ainda que 1 grama de óleo, gordura ou azeite fornece, aproximadamente, 9 Kcal, então, em 1000 Kcal, a correspondência entre porcentagem do valor energético e quantidade de lipídios será:
ü
15% correspondem a 150 Kcal = 16,6 gramas de
lipídios.
ü 35% correspondem a 350 Kcal = 38,8 gramas de lipídios.
Uma boa dieta não deve ter menos que 0,5% da energia total proveniente do ácido α-linolênico (5 gramas em 1000 Kcal), com a soma do EPA e DHA entre 0,25 a 2 gramas/dia.
Observação: Quando se fala em
recomendação de lipídios ou quantidade de lipídios na alimentação ou lipídios
que fornecem energia, estamos nos referindo aos ácidos graxos presentes nos
triacilgliceróis. Portanto, quando se fala em porcentagem da energia fornecida
por lipídios considera-se na dieta as quantidades de óleos, azeites e gorduras
dos alimentos.
|Fontes dos ácidos graxos monoinsaturados (MUFA) |
O ácido OLÉICO é o principal
representante dos MUFA. Outros ácidos graxos monoinsaturados são: caproléico,
lauroléico, miristoléico (encontrados na gordura do leite) e palmitoléico
(alguns peixes, óleos e carne bovina).
É consenso na nutrição de que o
ácido oleico não eleva os níveis de lipídios no sangue nem é facilmente oxidado
com formação de radicais livres. Estando ele em quantidade adequada na dieta,
não há necessidade de se preocupar com a inclusão dos demais MUFA.
A melhor fonte do ácido OLEICO
é, sem dúvida, o azeite de oliva. O azeite tem também os benefícios de fornecer
substâncias antioxidantes, mas não é a melhor fonte dos ácidos graxos
essenciais.
|Fontes dietéticas
de Ácido linoleico e Ácido α-linolênico|
O ácido linoleico e o ácido α-linolênico são
sintetizados exclusivamente pelas plantas. O ácido
linoleico é amplamente distribuído na
natureza. É encontrado em todos os óleos e
azeites. Já o ácido α-linolênico é encontrado
apenas em alguns vegetais e peixes.
Soja, linhaça, canola e seus
óleos são ótimas fontes do ácido α-linolênico.
|Fontes alimentares de DHA e EPA|
As principais fontes alimentares
de DHA e EPA são os peixes e algas marinhas. Para os vegetarianos que desejam
suplementação com DHA ou EPA, há suplementos destes ácidos graxos extraídos de
algas.
Os peixes, algas e a presença de
EPA e DHA
Os ácidos graxos são essenciais
para os impulsos nervosos e fluidez das membranas de todas as células. Mas para
exercerem esta função não podem estar no estado sólido. Os peixes e plantas
marinhas necessitam que estas substâncias tenham ponto de fusão muito baixo, de
forma que permaneçam líquidas mesmo nas baixíssimas temperaturas do fundo do
mar. Sendo assim, necessitam em seus triacilgliceróis e em suas membranas
celulares da presença de ácidos graxos com baixo ponto de fusão, como é o caso
do EPA e do DHA, para contrabalancear com outros ácidos graxos e fazer com que
o produto final permaneça líquido nas baixas temperaturas das águas do mar.
Se estes seres vivos fossem ricos em ácidos graxos saturados, conforme os animais terrestres, eles se quebrariam facilmente. Lembre-se que a -54 oC o EPA ainda é líquido.
É preciso uma dieta variada para se conseguir ingerir as quantidades recomendadas dos ácidos graxos ômega-3.
A presença de azeite e outros produtos de origem vegetal, somados, possibilitam que a dieta forneça as quantidades adequadas dos ácidos oleico e linoleico. Não é uma combinação difícil.
Por outro lado, não é fácil ingerir, apenas por meio da dieta, as quantidades recomendadas dos ácidos α-linolênico, EPA e DHA. Para isso, é essencial a presença de alimentos fontes do ácido α-linolênico (por exemplo, óleo de soja, de canola e linhaça) e de EPA e DHA (gema de ovo, sardinha, atum e outros peixes) na alimentação.
A saúde
mental e cardiovascular são as mais afetadas pela deficiência dos ácidos graxos
das famílias ômega-3 e ômega-6.
Para se conseguir ingerir as quantidades necessárias dos ácidos graxos essenciais é necessário ter na alimentação frutas, sementes, óleos, ovos, peixes e/ou seus derivados.
O uso de suplementos é recomendado quando não há possibilidade de obter estes nutrientes pela alimentação. Lembre-se que, EM EXCESSO, estes nutrientes são prejudiciais para a sua saúde.
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