GORDURA INTERESTERIFICADA COM ÁCIDO PALMÍTICO - A SUBSTITUTA DA GORDURA “TRANS” PELA INDÚSTRIA ALIMENTÍCIA E SUA REPERCUSSÃO NA SAÚDE HUMANA - Artigos Publicados Nossos Alimentos
Gordura interesterificada com ácido palmítico - a substituta da gordura “trans” pela indústria alimentícia e sua repercussão na saúde humana
Christyane Bisi Tonini, Gabriel Carvalho, Giane Kristosch, Elaine Gimenez Guimarães, Larissa Leandro da Cruz, Letícia Silva Nascimento, Nathalia Ribeiro Ferreira da Silva, Rodrigo da Silva Gebara, Karla Silva Ferreira
As gorduras são importantes para a produção de alimentos pois conferem sabor, afetam a estrutura, a estabilidade, tempo de estocagem, entre outras características. Na natureza, a maior parte dos óleos e gorduras estão na forma de triglicerídeos que são substâncias formadas por três ácidos graxos ligados a uma molécula de glicerol, conforme apresentado na Figura 1.
Os óleos e gorduras apresentam diferentes comportamentos nos alimentos e na saúde em razão dos ácidos graxos que os compõem. Estes ácidos graxos diferem entre si devido ao número de átomos de carbono e à presença ou ausência de duplas ligações. Os ácidos graxos saturados são os que não possuem duplas ligações e são vulgarmente denominados de gordura saturada. Os que possuem uma ou mais duplas ligações são ácidos graxos insaturados e vulgarmente denominados de gordura insaturada.
Com raras exceções, os óleos e azeites possuem teores mais elevados de ácidos graxos insaturados e são líquidos à temperatura ambiente. Já as gorduras possuem maiores concentrações de ácidos graxos saturados e são sólidas ou cremosas à temperatura ambiente.
A influência dos ácidos graxos sobre a incidência de doenças cardiovasculares e as concentrações sanguíneas de lipídios tem sido demonstrada em várias pesquisas. Por exemplo, o consumo de gordura saturada é associado a problemas na saúde, principalmente devido à presença dos ácidos graxos láurico (12 átomos de carbono), mirísitico (14 átomos de carbono) e o palmítico (16 átomos de carbono). Devido a esse fator, muitas indústrias de alimentos substituíram em suas formulações as gorduras animais por óleos vegetais parcialmente hidrogenados, os quais apresentam consistência semelhante às gorduras animais. Entretanto, durante este processo, há formação de ácidos graxos com configuração “trans”.
Estes ácidos graxos, também denominados de “gordura trans”, passaram a ser rejeitados pelos consumidores pois ficaram estabelecidos seus malefícios à saúde, como o aumento no processo inflamatório, risco de câncer e acúmulo nas artérias, causando problemas cardiovasculares. Para contornar a rejeição dos consumidores, as indústrias de alimentos buscaram alternativas para reduzir os teores de alimentos contendo gordura “trans”. Atualmente há no mercado grande quantidade de alimentos com o apelo de “zero trans”.
Para modificar a consistência dos óleos vegetais, tornando-os mais sólidos e cremosos, sem formação de gordura “trans”, foi desenvolvido um novo processo denominado interesterificação. Para a produção da gordura interesterificada utilizam-se óleos que contêm teores mais elevados de ácidos graxos saturados, como é o caso do óleo de palma, que possui alto teor de ácido palmítico. O ácido palmítico normalmente substitui o ácido graxo insaturado localizado na posição n-2 da cadeia de triacilglicerol do óleo que está sendo interesterificado, normalmente óleo de soja. Outra estratégia é adicionar no óleo triacilgliceróis formados apenas por ácido palmítico, denominado triplalmitina. Deste modo, obtém-se uma gordura “zero trans”, porém com maior teor de ácidos graxos saturados, especificamente de ácido palmítico. Este ácido graxo possui ponto de fusão elevado, 63,3ºC e, consequentemente, torna o óleo mais cremoso a temperatura ambiente. A Figura 2 mostra a estrutura do ácido palmítico e a Figura 3 da tripalmitina.
Atualmente, o óleo de palma ou azeite de dendê é o mais produzido no mundo, levando, inclusive, ao desmatamento de áreas de floresta tropical para o plantio desta cultura, chegando próximo de 63 milhões de toneladas. Oitenta por cento do óleo produzido é destinado para a indústria de alimentos, principalmente para a fabricação de biscoitos, margarinas, chocolates, bolos, sorvetes, dentre outros produtos, por exemplo a Nutella e o Kitkat (Figura 4 e 5). Em alguns rótulos de alimentos, geralmente esse ingrediente aparece com o pseudônimo de “óleo vegetal”.
O consumo do óleo de palma não refinado tem se mostrado benéfico à saúde, uma vez que reduz as lipoproteínas de baixa densidade (LDL ou colesterol ruim), a formação de placas de gordura nas artérias e, consequentemente, o risco de doenças cardiovasculares. A justificativa para esses benefícios é que este óleo não refinado contém compostos como a vitamina E, carotenóides e outros antioxidantes. No entanto, quando usando no processo de interesterificação este benefício é perdido e os produtos fabricados com a gordura interesterificada possuem teores mais elevados de ácido palmítico, o que vem acarretando o aumento do seu consumo pela população. Especialistas em saúde pública da “American Heart Association” publicaram um documento manifestando sua preocupação com os riscos do uso de gordura transesterificada em substituição da gordura “trans’.
Estudos realizados nas últimas décadas apresentaram efeitos do ácido palmítico na saúde humana. Por exemplo, a gordura do leite humano possui elevados teores de ácido palmítico posicionado no centro do triacilglicerol, posição sn-2, conforme ocorre com a gordura interesterificada. Nestas condições ele é melhor absorvido e promove maior absorção de cálcio. Isso é bom para os recém- nascidos a termo e prematuros, que necessitam de maior aporte de energia e também de cálcio. Por outro lado, pesquisas realizadas com adultos e animais, correlacionaram o consumo de ácido palmítico com o desenvolvimento de ansiedade, arteriosclerose, picos de triglicerídeos, acúmulo de LDL, certos tipos de câncer e diabetes tipo 2.
Com base nos conhecimentos até o momento, pode-se presumir que o consumo de ácido palmítico em excesso pode trazer consequências maléficas para a saúde humana a longo prazo tanto quanto o consumo de gordura “trans”. Portanto, o mais sensato que podemos fazer é ler os rótulos dos alimentos antes de compra-los e evitar o consumo dos que contém em sua lista de ingredientes “gordura vegetal” ou “gordura interesterificada”, além da gordura trans.
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